O CORAÇÃO DE JESUS ABERTO PELA LANÇA
Sed unus militum lancea latus ejus aperuit; et
continuo exivit sanguis et aqua. Et qui vidit testimonium perhibuit...
Facta sunt enim haec ut Scriptura impleretur: Os non comminuetis ex eo.
Et iterum: Videbunt in quem transfixerunt (Jo 19, 34- 36).
Mas um dos soldados perfurou-lhe o lado com uma
lança e logo saiu sangue e água. Aquele que o viu é que o atesta... E
isto aconteceu para que se cumprisse a Escritura: nem um só dos meus
ossos se há-de quebrar. E ainda: Hão-de olhar para aquele que
trespassaram (Jo 19, 34-36).
Primeiro Prelúdio. O último acto da Paixão de
Cristo, a abertura do seu lado, explica e resume toda a vida do
Salvador. Tomou um Coração para o abrir como a fonte de todas as graças.
Segundo Prelúdio. Dai-me, Senhor, a graça de beber nas fontes da santidade e do amor.
PRIMEIRO PONTO: A ferida. - Vamos ao Calvário,
depois da morte de Jesus. A multidão afastou-se, os amigos ficam. Alguns
soldados vêm verificar ou, se é o caso, apressar a morte dos pacientes,
para que o espectáculo do seu suplício prolongado não entristeça o dia
do sabbat.
Um dos soldados adiantou-se, portanto, e abriu o
lado de Jesus com uma lança. É um grande mistério da história sagrada,
onde tudo é mistério e acção divina. A ferida exterior é aqui a
revelação simbólica da ferida interior, a do amor. O amor, eis o algoz
de Jesus! Cristo morreu porque quis, foi o amor quem o matou ... É assim
que a Igreja canta, para saudar o Coração trespassado do seu esposo: «ó
Coração vítima de amor, Coração ferido por amor. Coração morrendo de
amor por nós! O Cor amoris vidime, amore nostro ssuaum, amore nostri
languidum! (Hino do Sagrado Coração).
Nosso Senhor permitiu este golpe de lança para
chamar a nossa atenção para o seu coração, para nos fazer pensar no seu
amor que é a fonte de todos os mistérios da salvação: as promessas do
Éden, as profecias e as figuras da antiga lei, a acção providencial
sobre o povo de Deus, a incarnação, a vida, os ensinamentos e a morte do
Salvador. A abertura do lado de Jesus, é como a fonte que regava o
paraíso terrestre, é como a fenda do rochedo que deu a água para saciar o
povo de Israel.
SEGUNDO PONTO: O sangue e a água. - E saiu sangue e
água, diz S. João. O ferro ao retirar-se deixou jorrar uma dupla fonte
de sangue e de água, na qual os Padres da Igreja viram o símbolo desta
outra maravilha de amor, os sacramentos, canais preciosos da graça da
salvação. - Rio de água que, no santo baptismo e no banho da penitência,
lava a alma da mácula original; rio de sangue que cai todas as manhãs
nos cálices dos altares, para se expandir pelo mundo fora, consolar a
Igreja sofredora do Purgatório e reanimar a Igreja que combate sobre a
terra; rio refrescante, onde o coração, ressequido pelos trabalhos e
pelas tentações, vai saciar-se de piedade, de caridade e de santa
alegria.
Senhor, concedei-me beber desta água e deste
sangue, para não mais tenha esta sede doentia das coisas do mundo que me
tortura, e que eu seja inebriado pelo vosso amor.
TERCEIRO PONTO: «Olharão para dentro daquele que
trespassaram». - É a palavra do profeta Zacarias, recordada por S. João.
O profeta não disse: «Olharão para aquele que trespassaram», mas
«olharão para dentro daquele que trespassaram: Videbunt in quem
transfixerunt» (Jo 19, 38). S. João aplica estas palavras à abertura do
lado de Jesus; devia pensar no interior de Jesus, no Coração mesmo de
Jesus que ele pôde entrever pela chaga aberta do lado, no momento do
embalsamamento.
Esta ferida entrega-nos e abre-nos o Coração de
Jesus. Espiritualmente, nós aí lemos o amor que tudo deu, mesmo a vida.
Neste amor mesmo, nós reconhecemos o motivo e o fim de todas as obras
divinas: Deus criou-nos, resgatou-nos, santificou-nos por amor. No
Coração de Jesus, é o fundo mesmo da natureza divina que nós penetramos
na sua mais maravilhosa manifestação. «Deus é emot». S. João leu isto no
Coração de Jesus.
Tenho necessidade de contemplar esta ferida para
ver como eu sou amado e como por minha vez devo amar. Lá hei-de aprender
como um coração amante deve agir, sofrer, tudo dar, até à morte, por
Deus e pelas almas.
Vamos mais profundamente ainda, e vejamos tudo o
que sofreu o mais delicado dos corações: os desprezos, as calúnias, as
traições, os abandonos, as desistências. Todas as dores estão reunidas
neste Coração e transbordam. Sentiu-as todas, a todas santificou. Nas
nossas dores, por mais extremas que sejam, tenhamos confiança na
simpatia e na compaixão deste Coração, que quis assemelhar-se a nós no
sofrimento, para ser mais compassivo e mais misericordioso (Heb 2, 17).
Comecemos nós mesmos lamentar este amor que não é amado e por compadecer com as suas dores.
Resoluções. - A abertura do Coração de Jesus
recorda-nos o seu amor, a sua bondade, o seu sofrimento. Ele espera de
mim o amor em troca, a gratidão, a compaixão. Eisme aqui, Senhor, para
viver convosco e em Vós. Não permitais que eu jamais me separa de vós e
que vos esqueça.
Colóquio com Jesus na cruz.
(Leão Dehon, OSP 3, p. 367ss. Tradução do Pe. José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ)
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